O SILÊNCIO DOS CORDEIROS
24 outubro 2010
Descrever a insônia traz um gosto tão desagradável quanto o amargo humor do abstêmio. Não passaria perto do processo se contasse sobre a luz em taco de madeira. Ou do casebre em seus arbustos de acanto. Ou o cheiro de lavanda no campo. Mesmo a lavanda sendo abstrata, ela tem fonte concreta e fora. O lúdico aqui é seco, está em todo o céu da boca de quem mal acorda. Não há violinista que pega a tonalidade desse suspiro. Bem compreende o “mal dormir” aquele que não dorme. A treva tem seus segredos e silêncios. Insidiadas no exagero etílico, incontrolável e fraco torna-se o mudo, apresentam-no como carta de visita o berro, em troca do descanso. O espírito contrariado se vinga com mais destreza e eficácia que qualquer bom conselho dado. Não dorme e nem bebe.
- És jovem ainda, contas com toda a vida pela frente, por quê?
- Se não estivesse ébrio, choraria.
Podemos elevar-nos numa viagem, de como no corpo, o excesso persegue o brilho, numa linha tênue, como o ocaso parece seguir a aurora, trocando as cores, pois o que o acorda é o escuro. O tempo passava insaciável, poderia dizer que vivia bem, olhando-o de soslaio alguma boa consciência.
Apresento-me para falar sobre algo que grita, e logo lhe servem um copo, pareceu-me cortês aceitá-lo, sem regra de quanto seriam as doses, desde a tenra idade, confundia as vozes.
Venus as a Boy envolvem-no como se Bjork fosse uma deusa próxima. Deram-lhe um quarto claro e limpo. Já faz anos lhe apresentam não mais os rostos tranqüilos, de repente a preguiça doce e confortável esvaiu-se como um isqueiro lançado num campo de centeio. Seu corpo não responde com graça e riso ao enfado da pergunta que o acorda. Toma um gole de ar, já que as conversas mudam a cada momento o tema, e com profundidade pede ao outro:
- Você me adiciona que eu te sigo.
- Sinceramente, não é o que esperava agora.
E mesmo vendo que afunda numa sinfonia de deserto, acorda.
Pisa no chão, com o cérebro ainda cheio de estímulos vindos de um lugar escondido, artificial como o calor de calefação. O desequilíbrio não difere de estar sobre uma superfície de embalagens de ovos, não tem mais graça, é cinza e percebe ser o primeiro grito que sonda. Algo o empurra para fora, o espírito chama-nos para um dialogo junto de manchas, no teto das pálpebras. As sombras da mente são desenhos numa tela sem apoio. Uma lírica pagã, de esquerda. Acorda e o muro já era.
- Apóie-me Deusa, antes que eu caia.
Ele apóia as costas e esbarrando-se, agacha-se – Suas costas – ele diz. –Sentir o frio delas é mais fácil que chorar. O branco do gesso na pele. O afresco o consome. A parede foi construída na época em que percebeu como cantam os sons. Aqueles que deveriam ajudá-lo berravam mais alto que as cabras na maculada alma.
Na noite anterior, flores roxas caíam da árvore. Ele esticou os braços esperando que alguma batesse e ficasse ali com ele. Eram como flocos de neve, aquelas frágeis coisas, pois o vento que as fazia soltar não é como a intenção humana. Ela acontece. Ele percebe que passa a imagem de uma morte não findada e prematura. Bateu.
- Como vou explicar-te...
Alguém ri e diz – Você é engraçado.
Pretendia dizer como The Silence of the Lambs era o nome que cabe pelo diálogo entre Judie Foster e Anthony Hopkins. Seria o bom verso que retorna para a trama.
Tinha a percepção de harmonia nas palavras. Não o sabia dizer, pois o sentido é tênue como uma linha. Soubemos pela notícia. Toca o telefone e parece ser Clarice. Será que perceberiam o que o tornaria ébrio de novo. Seria o bom verso que retorna para a trama.
24 outubro 2010