quarta-feira, 25 de novembro de 2009

monólogo

ao ver os dois espaços de céu cinza se aproximando um do outro, entre eles, vendo o avermelhado do Sol, um plano de fundo para imagem que estava sendo moldada pelas nuvens mais escuras, viu realmente um quadro, duas margens cinzas do lado esquerdo e direito e uma faixa alaranjada no centro da tela.
As duas chuvas cinzas eram como abas de uma janela aberta que revelava o céu limpo em outra camada.
Aquele homem percebeu que os podia transformar:

Transformá-los em dois amantes que iam ao encontro do beijo;
Transformá-los em dois duelistas exercendo as honras antes do combate;
Transformá-los em um cenário surreal e fantástico;
ou, somente vê-los sendo dois espaços de chuva, entre eles, um espaço de céu aberto.

E, percebeu, ainda absorto em sua consciência criativa, que poderia transformar até mesmo o homem que percebia. Foi o começo de domínio na imaginação sem regras por sua essência flutuante. Observou e guardou, de fora, uma parte da Natureza. Sentou e esperou a chuva. Choveu

as nuvens continuaram deslizando pelo céu. Esticadas como lençóis cobrindo uma cama invisível, iam sobrepondo-se em camadas de tonalidades. As mais próximas eram cinza-escuras, e enquanto passavam pelo céu, revelavam as massas de ar mais altas aparecendo, nestas, os tons de cinza-claros, e, mais ao fundo, iam seguir para o branco azulado bem próximos ao infinito do horizonte, bem lá distante.
Sem raios, somente os ventos.

No chão, alguns carros circulando pela rua, bombas de combustível antiquadas sobre a cobertura do posto e um letreiro luminoso de lanchonete na esquina da rua.
Mais perto, em uma quitanda, os balcões de verduras iam e vinham. Alfaces crespas e americanas; couve e rúcula, enquanto crescendo aos seus lados, as pequenas mudas. Quanto verde e os funcionários se apresando para fechar as portas.

Aquele homem, ainda sentado no sofá, ao lado do jornal que lia antes de divagar na vista da sacada de seu apartamento, situado próximo ao Parque do Ibirapuera, na capa do fascículo, uma notícia sobre mais umas das bombas explodidas em um dos lados da Palestina, ouvia, passando pelo vão da porta de vidro, o vento assoviando e já anunciando a melodia da tempestade.

Tempestade sem controle, ao menos e somente, enquanto fora dessa folha de papel.
No campo branco, o maestro senta-se e rege seu som visual.

Foi a última frase que aquele senhor escreveu no bloco de notas sobre seu joelho. Levantou-se, colocou o jornal sobre a mesa de jantar e seguiu para fechar os vitrais da cozinha, pois as gotas da chuva já vinham invadir seu lar.

p.s: (primeiro esboço, não muito diferente deste, 28/11/2004).






AMBÍGUOS FLUIDOS


Signo.
dois significados:

1/12 avos dentro do céu
30 graus separados do espaço
regem semelhanças nos temperamentos

rosa
idéia psíquica que causa rosa
regem com semelhantes versos poesia

Alguma metáfora:
carapaça de caranguejo
independente com um beijo
lar: todo destoante em tempestade de raios

Depois os dois:
olhar
silêncio
verdade percebida nos erros passados
crescer
na dor
distância: madurecer distante dela (é como o a que se foi)

Enquanto agora:

1/12 avos dentro do teu mel
30 graus inclinados no chão do terraço
regidos por puro júbilo expelido em êxtase

rosa
aroma de ambíguos fluidos
contorcendo túmida em tua poesia tímida

uma metáfora:
jorro de signos desconectados dançando dentro da mente

Depois os dois:
olhar
silêncio
verdade sem erro algum, amor.




ACÂNTIZA, fevereiro de 2005.





20 de maio de 2006

cadernos de estudo.




Em primeiro,
Você deve atuar nas vozes dessas personagens.
Não veja essa folha como um papel enquanto ela é um palco. Aposto cinco por um que Victor Hugo se afogou junto de Gilliatt vendo Déruchette ir-se com o padreco. Posso ouvi-los tossir a água que invadia seus pulmões. Esse processo decorre treino. No meu entender, é preciso ser mais ator à que ter um bom vocabulário. À que se saber mais de artes plásticas e harmonia musical que saber ligar com lógica a estrutura sintática de tuas expressões.
- Mas e a inspiração?
Diria naquilo que acho justo no que conheço até aqui que a inspiração é a energia proveniente em alguma memória emotiva. Ela seria o tom em um minueto ou o traço rude de Van Gogh desenhando um singelo girassol. A inspiração me parece como o humor que tece a sutileza ou o descontrole, ainda assim ordenado, no harmônico das palavras espalhadas dentre inúmeras possibilidades vigentes.
- Por isso seu jeito muda quando vê algo que lhe agrada. É culpa da inspiração sairmos rápido de um bom filme ou de um simples sorvete na esquina. Você não quer perder o humor do momento.
Ás vezes sim. Por mais que a idéia fique, o humor muda e a música se perde...
- ta, e quando esse texto começa?
Ele já começou.
Você não pode vê-lo no que temos até agora como simples introdução didática. Você tem que pensá-lo como uma introdução ao que vem abaixo. Ao todo que já imaginou na tua cabecinha.




- E quanto à ironia? Sempre ouvi que é preciso ser irônica: “a ironia é o coração da boa literatura”...
Não se deve ser irônico tendo alguém no seu colo.
Dá azar. Câimbra também.
Ai, desculpe-me.. Eu me desço entre suas pernas.

paramos na, ironia...
A ironia já foi.
Não, não vale. Isso foi só uma quebra na lógica da narrativa.
ta, que tal: a sensualidade é a chaga da sociedade.
Essa vale. E por sinal, é ótima.
Pode ser outra também:
por nada desse mundo
tiraria minhas mãos
uma por sobre a tua
apoiando sua mãozinha e o lápis e
minha outra apoiando a tua outra e o papel, por nada, as tiraria para ajudá-la de outra forma.
- Eu já sei escrever sozinha.
Pode tirá-las.

(confesso também querer ler o que viria depois da introdução do manuscrito deles, mas posso jurar que a devida mulher, repartindo-o em milhares de tiras jocosamente atiradas dentro de uma cumbuca com shoyo e mel, o comeu todinho).




(acantiza)





CAIXA DE MÚSICA



Sentir é pra poucos

Viver é comum.

Sem ti é pouco

Vim ver a mon.

A velha mudança no tempo...



Um mundo velho dentro da caixa de música

A menina abriu.

No centro, salão antigo, somente

O palhaço.

Que ela tocou...



O módulo tão belo

Nas notas naquela sonata

De tanto, deu sono na pequena.

Dormiu.

Que um anjo nela tocou.



Sem ti

Senti.

Vim ver

A velha mudança do tempo.




acantiza, 13.02.2006.





Canções de um homem que não aprendeu musicar
(4 poesias)




a mordida do vizinho

quando estiver entediada
dirija por uma rua sem placas
a vertigem não se deixa ser guiada
alada numa pele mel desleixada sobre as macas
eu enfermo não tenho boca que lhe deixe marcas
vermelhas nas pernas
nem manchas pelo pescoço
mas que deixaria errar todas as palavras desse mundo
trocando todos os versos decassílabos
só para um dia te ver trocando
todas suas roupas baixas com cheiro de acácia
acaso do riso
nos seus lábios
quando tender à vontade de ser mordida,
chame o cachorro vira lata do vizinho,
ele é limpo, apesar de baixo, pois eu,
não tenho mais boca pra te fazer marcas





desculpas do intrometido

sinto pelo frio dos versos de manhã
meu apelo não lhe causa o mesmo calafrio
quieto e quente
sem rima ou ritmo
das mãos dos homens que eriçam teus pelos
do céu a cabeça
sinto pelo meu soar não lhe causar suor
dos pés as costas
enquanto ele vem e se encosta
com teu cheiro colado
áspero e barba ainda desfeita
bruto na calada manta
ao teu meigo corpo macio
e te faz louca
peço que aceite
as desculpas do poeta intrometido





segunda de chuva

(a pequena)
- sabe, homem,
deixa isso pra lá,
não é a segunda de chuva,
que vem caindo por cá
muda! você não deve me cantar
sou louca e minha boca e de muitos amém
é praqueles que sabem me catar
deixa isso pra lá e segue sem mim

(o pequeno)
- sabe, mulher,
minhas segundas não tem tido fim
tem máquinas que tecem os panos
nos berros apertam meu peito assim
permita-me um resto de vida sem dano
cantando-te passo iluminar as terças
segue pros cantos com teus homens
que eles sabem tua boca bem benzer
deixa isso pra lá e segue sem me ver chorando

(os dois)
- Deus, por quê dor não nos vem cantar?







o burguês médio
mediana é a vida do burguês médio
Diana, entenda de uma vez por todas
não há pra isso remédio
trago nos ossos o preconceito, sua tola,
duma classe sem classe
dá ânsia e ansiedade
tremendo ao tédio
nas luzes das vitrines de galerias e lojas
sonhando amores de folhetins, a vida das fotos d’outros rostos
ainda assim é um crime , sua louca vadia, não crer
Diana, que aqui tem um coração que médio te ama
e médio foge do sangue
de tua prima cama










pros meus amigos de ontem.

(ACÂNTIZA, 27 de maio de dois mil e cinco, belo começo de outono)






A PROMOÇÃO


É um bar bonito. Umas luzes de meio tom, mais nos ambientes internos como na sala do fundo onde um grande aquário de luz azul, algas verdes e peixes exóticos, coloridos, contrasta com o tom salmão e branco das paredes.
Ao lado, em uma mesa de madeira um pouco gasta pelo tempo, das quatro cadeiras somente duas estão ocupadas. O senhor conversa com um jovem e é a essa conversa que se trata isso. Já estamos no meio dela.

- ... (rapaz) .. acho que as pessoas vivem mais que uma vida e tudo que eu faço ou aprendo não vai sumir de uma hora pra outra, puft! morri e já era!, assim, senhor, sou culpável pelos meus erros e talvez tenha uma cama de casal e um frigobar, o céu (aqui eles riem e tomam outro gole do drink) se fizer coisas boas..

- Isso mostra que você tem uma religião!
- Na verdade, acho bom separar Deus de religião. Se nesse eterno ciclo de morrer e viver que eu disse existe uma causa, chame-a Deus se quiser. Mas acho que as pessoas estão vivas e devem viver como vivas, com seus desejos e aproveitando tudo que há de matéria, até que seja diferente.

Um dos peixes do aquário comeu um pedaço do plâncton. Ele dança, parece que os ouve, mas só nada. Besteira.

- Você é feliz? pergunta o senhor.
- Senhor, alguém feliz só pode ser um alienado! (uma risada satírica e breve), alguém que naun vê os lados. Qué um diagrama de um ser humano feliz atual? (o rosto do senhor induz a resposta, que seria dada mesmo sem indução) pois bem: Ele nasce, cresce, compra produtos, reproduz, compra mais produtos e morre .. (rsrsrs!)
- e ainda deixa uma cria que vai fazer o mesmo!! (mais rsrsrs)

(voltam a ser sério) - parecemos chorar ou estamos angustiados agora, senhor? de modo que nosso ceticismo, nosso pensamento, nos é feliz.



- Como você acha que estão suas vendas, sua comunicação no serviço? pergunta o senhor.
- Olha senhor, naquilo que eu tenho em mente, eu não quero criar coisas para vender coisas! Espero, com o que eu faço .. espero que façam as pessoas pensarem e viverem melhor suas vidas. Mas, se alguém tem que começar de algum jeito, quero que me paguem bem para fazer! assim eu posso investir e sair fora. É claro que o presidente e os donos da empresa não precisam saber disso, nesse momento. Quanto ao nosso serviço, tenho feito ele legal, naun é?
- É.

Os peixes ainda nadam, as luzes ainda são de meio tom, só a bebida diminuiu nos copos. O senhor acende um outro cigarro e pergunta:

- Que livro vc está lendo?
- “História de Pobres Amantes”, de Vasco Pratolini.
- De qual personagem vc mais gosta?
- Da Senhora.

As algas dançam envolvidas com as bolhas de ar.

- Vc tem medo que te invejem?
- Olha, senhor, a inveja é parte da natureza humana e isso, não é de mim mudar

E depois de muita brincadeira, chegamos ao que se trata isso tudo.
- Você ainda quer o emprego?
- Senhor, eu antes lavava os pratos rasos. Agora eu tb lavo os pratos fundos. Mtos dos pratos fundos voltam ainda cheios de molho madeira; ólho de dendê das moquecas de camarão, assim, nada mais justo que o senhor dobre o meu salário.
- Eu o aumento em cinqüenta por cento do seu valor atual.
(o jovem, um tanto contrariado..)
- Aceito, por essa semana!
- Eu sei.
(rsrsrsrs!!!)

E os peixes ainda nadam.







CENA 1 - INT. COZINHA DA FAZENDA. LUZ DA LUA.
DE OLHOS BEM ABERTOS, olhares fixos e insinuantes, os dois estão ao lado de uma mesa larga de madeira rústica e maciça. Ela veste uma calça de lã preta e, torneando seu quadril delgado, um cinto de lenço colorido. Veste uma camisa com três botões que destacam seus seios, visíveis pelo decote quando ela se inclina. Seus pés descalços enquanto fuma. Ela é escultural. Ele não interessa. Ao fundo toca THE DOORS.

Houve o dia disseram-me:
Bela,
você precisa saber no que foi
O que é de ti
e
O que não era de ti
e isso dói
Porque outros fizeram me amar o fora de mim.

Limpar o que há de mim
Sobrando ao passado o que não era de você
Chama-se maturidade.
e isso dói

Encontrar alguém digno de ouvi-la contar
Demonstrando atenção, ao teu lado
Na guerra e na glória
Sem prendê-la
Chama-se sorte.

não saber agora se isto é teu ou meu, com medo e querendo que você saia,
Já sendo parte aqui dentro
pode ser amor.
Afinal, fique!
isso dói.

E depois disso, meu homem,
Naquilo que tiver sobrado
Espero que tenhamos tido
Mais de choro que de riso
Pois somente assim não ficará nos nossos filhos o que fomos nós.

Não cabe ao momento saber se agente consegue
e devido aos seus olhos
Naquilo que diz respeito ao meu corpo
eu quero ser violentada por você sobre essa mesa...




SENAI, Americana. Curso de Qualidade Total.
29 de abril de 200seis. (acantiza).



PRIMEIRO ATO

A Ligação Poética


Luz no garoto, de smoking, à frente da cortina fechada

GAROTO
Há sempre o risco do ridículo, de tanto, que não pretendo insistir muito. Cabe saber, se fosse pra mim, eu sorriria...

...

é pior que ficar enjoado na beira dum rio
ao lado das moitas de bambu...
e depois por sobre a barragem.
ou de repente me surpreender que já anda em ti aquela joaninha (na minha gaveta)

É ainda pior saber qui o ganso que deu as penas que iriam apodrecer no seu travesseiro, no varal, era na verdade um pato; galinha de angola; Índia ou Paquistão...
e ruim se as lojas C&A não liquidarem mais camisetas com estampas azuladas
Coladas no seu corpo são melhores que todos os quadros do mundo.
e ainda pior se os cachorros amarelos deixarem de babar no meu tênis, desrespeitando o desvario que me causa aquela sua saia longa (deve ser coisa do Oriente)
mas por Deus,
catástrofe seria se os carteiros virassem, da noite pro dia, rocha!
não haveria mais correspondências. E se, por um milagre, outro dia você viesse esparramá-las nas caixinhas do meu apartamento.
e
nem mesmo se as capelas sempre fossem açougues no antigo Carioba

ainda assim é pior não saber se você quer que eu ligue...
e se a gente ainda pode sair
já que você (esperta feito o ganso que perdeu as penas)
não liga pra meninos.

...


... pr´alcançar algum surrealismo íntegro (frases lógicas flertando em harmonia poética) se não for com muita técnica e rabisco, só soletrando prum tear que vira chenille. Pode ser, caso a máquina não esteja em dia de mau humor, ela responda além d` habitual bate bate...
(abril.07)

SEGUNDO ATO

A Ligação Lógica Entre a Frase e a Fantasia (“um sistema modelizante secundário...)” Teorizado



Guto Cavalcanti é formado em Artes pela UFSCar e publicou na revista Olhar da mesma. Pode ser visto apoiado em um dos hexágonos da Biblioteca em dias de sorte. Noutros, supervisiona operários








e se um cubista escrevesse uma carta comemorando as teorias de Einstein,

FELIZ CENTENÁRIO, ALBERT.





Caro senhor Einstein, ontem, observando aqueles três músicos que tocavam no bar rústico consegui ver meu pensamento, ele seguiu assim solto voando no ar.
Conclui que pensamento é energia e portanto matéria!
Não quero que meu entusiasmo atrapalhe essa humilde descrição, mas lhe digo, esperando não ser ingênuo com meu argumento,
digo que o pensamento ocupa o espaço e transcende qualquer noção de tempo.

Estou pintando no momento.
Esta carta dedilha o intervalo de meu devaneio.
A luz logo me chama à tela.
É algum tipo de corpo humano.
Se o corpo humano fosse grande como um planeta, veríamos ao redor dele uma atmosfera! Nosso corpo é parte de uma lei que mantém tudo em movimento em escala referencial, tanto no espaço infinitamente pequeno como o dos átomos ou grande quanto o dos astros no universo.
Foi aqui que o tempo reteve seu célebre invento, caro Albert, mas o certo é que a união de suas teorias, a do mundo mínimo com o mundo astronômico, (estou certo!), pode ser observada no corpo humano.
Sua ligação harmônica com o pensar;

Não teríamos valia se não fosse nossa mobilidade e interação.
Estou meio trêmulo devido ao vinho de ontem, ainda assim os pincéis e minhas mãos são partes do mesmo meio. Suave interação!
Acredito que temos dois meios de cooperar no mundo, Albert.
Primeiro: através dos movimentos inerentes ao corpo nos permitindo o contato com tudo mais que é matéria sólida (aquilo que tem peso!).
O segundo modo de movimento é o pensamento.
Entre mim e um planeta, o que nos difere além da discrepância básica de nossa natureza, o que nos difere é o pensamento, a consciência dos meus atos e, mesmo entendendo que tanto nós como os planetas somos regidos e regemos em diferente escala o universo, agradeço a dádiva por poder pensar.
Pintar...
É por meio do pensamento que transcendemos nosso corpo com seus órgãos
É por meio do pensamento que somos mais que meras coisas
e, ainda assim,
somos iguais quando sentimos
Por meio dos sentidos percebemos as coisas que não têm peso!
Expressá-las é compreender além do espaço,
além desse espaço

entre mim e esse pedaço de papel que leva a teoria de um certo tipo de ver
Essa dança...


Quando focalizo minha atenção em uma cena, uno um sentido com um raciocínio. Quando olho para aquela planta verde na sacada do prédio ao lado, entendo que existe um espaço entre mim e ela. Espaço que some em um tempo imensurável por intermédio do pensamento, sendo aqui o simples ato de vê-la, então, não há mais planta ou eu, mas sim um conjunto que interage.

Não há mais onde ela é verde dentro de mim ou ainda verde nela mesma!
Ver é emprestar a essência das coisas. É se misturar nelas através de ondas.

Outros amigos já o descreveram, demais filósofos; pintores e poetas. Desconheço aqui a singularidade do meu discurso. Só quero lhe descrever um fluxo de pensamento e mesmo que me descubra retórico, o mesmo não será encerrado agora!
O que entendo é que o objeto continuará existindo, assim como eu se não o notasse. Levaríamos bem nossa vida quando se trata de mim e uma planta na sacada do prédio ao lado.
Entretanto, Albert, desse raciocínio entre mim e uma planta, deduzo que todo pensar é uma interação. Nós (naquele conjunto corpo-atmosfera), e algo (abstrato ou tangível) e

um espaço.

Só senti a beleza desse espaço com concepção cultural e vivência...
Comecei a pintar respeitando o diferente, separando as coisas de mim mesmo (as coisas das coisas e nós de nossos semelhantes).
Adquiri, sem ser pretensioso,
a capacidade de transmitir o conhecimento de todas as essências particulares em tudo.
Amigo Einstein, esse espaço é cheio
Dentre todas as ondas que conhecemos que o permeiam, ele é cheio de uma matéria que nos estende a ser mais daquilo que aceitamos como corpo.

O espaço é cheio do nosso pensamento!

É como se voltarmos a enxergar em uma grande escala.
Um planeta é um corpo que tem uma atmosfera que lhe é inerente e, é sabido que fora esse sistema fechado, mantém uma relação de equilíbrio e movimento com outros sistemas de astros e os sóis com outros sóis e estes em galáxias e estas entre si até o infinito.
Aqui, ainda sem muita segurança, me arrisco em fazer uma analogia entre o espaço que fica entre mim e a planta (ficou entre mim e os músicos do bar..) e o espaço que fica entre os astros.
Descartando nossos tamanhos, entendo que existe uma inteligência que fica entre meu corpo humano e a planta enquanto a vejo, sistema que nos aproxima da inteligência que rege o espaço entre os astros!

Somente um bom pensamento que
nos mantenha em perfeito equilíbrio
movimento
Nessa sublime interação de força dançando pelo universo

Caro Einstein, é esse espaço, o desconhecido entre mim e o que vejo, o desconhecido que permeia todos os astros em perfeita harmonia
é esse espaço que aprendemos a chamar de Deus.

Nossa força inteligente (pensamento; sentimento inato à memória!) é inferior ao traço de Deus, contudo é por meio desse acúmulo de informação que nos fazemos semelhantes dentro dessa inteligência infinita, e é por meio dela que criamos ou destruímos...

Nossa consciência nos faz maiores que planetas ou astros e ainda assim não sabemos viver em harmonia, cooperando o que conhecemos

Ontem,
após essas “luzes” em minha consciência,
eu e os músicos cantarolamos as seguintes frases
que escrevi em um guardanapo de seda. Esperávamos sua companhia.
Quem sabe, num outro tempo;espaço .. . ?



o tempo equilibra os homens!
não há tempo sem um espaço, certo?

qualquer espaço é cheio!
pode conter tantos universos quanto concebe a imaginação
logo,
descobriremos a matéria de que é feito o imaginar!

separando-me do meu corpo
em tudo que vejo
há o mesmo que separa deus de todas as coisas

tudo está em tudo e deve se manter em equilíbrio

movimento dentro de um universo sem fim enquanto pensamos

Caos e ordem...
tudo isso que é inefável e infinito.




Atenciosamente e grato por nos ajudar a enxergar,
Pablo.





ACÂNTIZA, em 11 do dois de 2005, encontrou sobre um aparelho público de telefone, esses com suporte azul e capa fluorescente, essa carta. O cartão telefônico ainda estava inserido no aparelho e trazia a imagem de um tamanduá mirim, espécie dos tamandua tetradactyla, informação descrita no verso do mesmo que ainda tinha sete unidades para uso. É um animal que vive por sobre as árvores, se locomovendo entre os galhos e se alimentando de abelhas, além dos corriqueiros cupins e formigas. Esse astuto ser aqui descrito, de certo, também faz parte do giro. Todos eles e até mesmo essas palavras o faz.





Filosofia da criação: “A Imóvel Eternidade Por Perspectiva”
Homenagem à filosofia da criação de Edgar Alan Poe

Quote the raven - = = - Never More!

O que se faz aqui é uma tentativa de congelar um processo de racionalidade, uma dança da razão seduzindo a emoção fluindo de dentro de um criador no complexo (nem tanto!) sistema de se criar um conto literário.
Também é provável que seja um escrito de intervalo criativo do autor que tem se interessado por outros ramos de desenvolvimento humano e cognição externa e interna jurando jamais esquecer sua devoção de paixão as artes e letras, somente um tempo para esquentar o relacionamento.

Quote the urubu - = = - Never More!

Bom, então, que eu me lembre, a primeira parte em questão é uma descarga emotiva de conhecimento que eu estava levantando ao ler as idéias da Gênese da Doutrina Espírita. Gostei bastante dessa frase que intitula o conto porque ela resume um estado usado para definir o êxtase; a felicidade eterna de um espírito elevado. Ela demonstra alguém que está extático somente observando todas as belas imagens que gravou em sua mente passando em um instante por ela. É por isso que digo que as catedrais de hoje em dia são as raves onde os sacerdotes distribuem suas pílulas;hóstias (êxtase e ácido) para os fiéis seguidores.
O escrito fala de um desenho de perspectivas infinitas como a cúpula do universo sobre nossas cabeças. Se formos traçando traço a traço cada estrela já se dá um desenho de infinitas proporções de arestas e riscos. Imagine então se voássemos e fossemos se aproximando das estrelas, cada espaço ocupado por nos traria novas possibilidades de desenhos e combinações de traços.
É com isso que começo discorrer meu discurso e sem medidas de personagens ou restrições das frases e dizeres acabo caindo em dizeres um tanto moralista. Tipo, todo o discurso é embasado em meus próprios princípios e gostos particulares. Não seria um erro para um poeta e há até boa literatura feita desse modo. Bons autores nunca se separam por completo de seus filhos (livros) tanto que em toda leitura que fiz aprendi a enxergar o autor que existe por trás de suas personagens e narradores e aquilo me prendia mais que o próprio enredo. Na verdade foi somente uma escolha minha começar a brincar com personagens e deixo esse começo gravado nesse texto.
Quando reli, depois de um tempo, essa primeira página que havia escrito me veio uma idéia de criar um conto com personagens e o segundo trecho dessa obra é a divisão dos trechos referentes a cada personagem que imaginei. Uma artista, seu professor e o narrador que ainda desconheço a instância. A visão geral do conto foi inspirada pelo filme “De corpo e Alma” de Robert Altman, um belíssimo filme que assisti com um amigo de república enquanto ainda morava em Sanca.
E a terceira parte já vai ser (ainda não escrevi!) o conto pronto porque toda essa descrição já está me cansando.
“Alguém já disse que, quando o artista sente a necessidade de explicar sua arte ao público, um dos dois é burro. É excusado dizer que não pretendemos arremessar semelhante adjetivo sobre a distinta platéia”. abertura da Ópera do Malandro, Chico Buarque.

Quote the tugo - = = - Nunca mais!!



“A IMÓVEL ETERNIDADE POR PESPECTIVA”,

(frase de autoria solúvel por quem não mais se importa com nomes; personalidades, todas essas cegueiras do ego).


Quero um desenho infinito. Infinito como os traços que se dão no espaço entre as estrelas. Em que se aproximando da tela se formassem outros traços e novos e novos espaços entre os pontos de luz que não são mais os mesmos daquele que há pouco os via como eram.
Quero um desenho de perspectiva infinita onde o progresso de suas tensões depende dos olhos dos homens, onde a única regra é a volatilidade harmônica trocada nessas duas instancias orgânicas a se observarem, encararem-se um ao outro em disputa de elegante guerra na concepção molecular.
A criação faz parte da combinação de meus elementos fluindo de meu corpo e transfiguradas em obra. Ela é parte de mim no momento em que me disponho a retirá-la conscientemente de minhas células e a por em atividade por meus movimentos. Minha essência derrama-se sobre essa folha de papel como pode se derramar sobre essa tela mágica assim que puder fazer... quando, ou como?
Sem controle ou fim, uma variedade infinita. Um teatro! os atores são cada ponto do traço. No palco, um espetáculo infinito e eterno.
Quanto vale seu ingresso?
Por mais incompreensível que seja por quem só se entrega ao lucro, ele é de graça.
Nem eu nem você temos os meio de concebê-lo. Não haveria tela, nem tinta, nem técnica que assim representassem suas cores e sua luz indecifrável.
Mas mesmo assim ele existe.
Existe dentro de mim como pode existir dentro de você.
Abandone o lucro e comece a pensar de novo.
Eu garanto, é o mais belo universo que você poderá conceber.
Vê-lo é uma alegria sem preço em valor, mas estabelecida em anos de experiência e conhecimento. Irônico, tenho vinte e dois anos e sete meses de vida. Talvez eu e você estejamos errados. Talvez nosso tempo de entendimento o esteja.
Leia conheça erre e doa o quanto puder.
A felicidade estagna enquanto a dor transforma.
Vai valer a pena, eu garanto.
Veja um pouco disso que escrevi.
São poucas linhas, demorou alguns minutos e por trás deles há A IMÓVEL ETERNIDADE POR PERSPECTIVA, e nem sai do chão, continuo sentado entrando na madrugada e acho que vou fritar um ovo para comer com arroz depois disso tudo.

O desenho? A tela?
Sou terno por concebê-lo na imagem projetada na parte escura de minhas pálpebras fechadas.
Meu pequeno universo...
Quanto vale?


ACÂNTIZA esboçou em 19, fevereiro fértil, ainda de 2005.
Tempo que é irrelevante.




A IMÓVEL ETERNIDADE POR PESPECTIVA

MOÇA

Irônico, tenho vinte e dois anos e sete meses de vida. Talvez eu e você estejamos errados. Talvez nosso tempo de entendimento o esteja.
Leia conheça erre e doa o quanto puder.
A felicidade estagna enquanto a dor transforma.
Vai valer a pena, eu garanto.
Veja um pouco do meu dia.

PROFESSOR

Quero um desenho infinito. Infinito como os traços que se dão no espaço entre as estrelas. Em que se aproximando da tela se formassem outros traços e novos e novos espaços entre os pontos de luz que não são mais os mesmos daquele que há pouco os via como eram.
Quero um desenho de perspectiva infinita onde o progresso de suas tensões depende dos olhos dos homens, onde a única regra é a volatilidade harmônica trocada nessas duas instancias orgânicas a se observarem, encarando-se em disputa de elegante transmissão molecular.
A criação faz parte da combinação de meus elementos fluindo de meu corpo e transfiguradas em obra. Ela é parte de mim no momento em que me disponho a retirá-la conscientemente de minhas células e a por em atividade por meus movimentos. Minha essência derrama-se sobre essa folha de papel como pode se derramar sobre essa tela mágica assim que puder fazer... quando, ou como?
Sem controle ou fim, uma variedade infinita. Um teatro! os atores são cada ponto do traço. No palco, um espetáculo infinito e eterno.
Quanto vale seu ingresso?
Por mais incompreensível que seja por quem só se entrega ao lucro, ele é de graça.
Nem eu nem você temos os meio de concebê-lo. Não haveria tela, nem tinta, nem técnica que assim representassem suas cores e sua luz indecifrável.
Mas mesmo assim ele existe.
Existe dentro de mim como pode existir dentro de você.
Abandone o lucro e comece a pensar de novo.
Eu garanto, é o mais belo universo que você poderá conceber.
Vê-lo é uma alegria sem preço em valor, mas estabelecida em anos de experiência e conhecimento.

MOÇA
São poucas linhas, demorou alguns minutos e por trás deles há A IMÓVEL ETERNIDADE POR PERSPECTIVA, e nem sai do chão, continuo sentado entrando na madrugada e acho que vou fritar um ovo para comer com arroz depois disso tudo.
O desenho? A tela?
Sou terno por concebê-lo na imagem projetada na parte escura de minhas pálpebras fechadas.
Meu pequeno universo...
Quanto vale?




O ASSASSINO DE LINDA JÚLIA





quando vir a placa
e ver o gato preto ou a ovelha roxa
afaste-se lenta levando seu jeito peralta sem mesmo ler
“seja bem-vinda, você está em Linda Júlia”
o pequeno pedaço do meio termo
é lá onde o garfield sempre marca o mesmo tempo
e onde o assassino escolheu pra morar

uma virgula que divide o compasso entre dois termos
minha querida prudência indo pro espaço
- e como é o nome dela?
- não sei. Só pinta.
- e será que a dona pinta deixa-me beijá-la?

Linda Júlia
é aquele lugar que leva-nos ao cultivo de dúvidas inefáveis
o chão é fértil
ou faz o fiel rezar
ou o louco na colina chapado
nos pratos dos bêbados ainda bambeando
e o tempo pára pra ouvir a conversa das donas de casa

quando você for pro norte
nada me traga de lá
e se ela ainda estiver sem seu casaco
por favor
com a sutileza leve dos loucos
cubra-a.

e lembre-se:
nunca volte à Linda Júlia
e lá onde o assassino escolheu pra morar


Durante toda aquela manhã de outono os termômetros, se os tivesse à vista, registrariam dezenove e meio graus. Nas sombras sobre as ruínas de velhos casebres revelaram-se desenhos de rara beleza. As sombras são as poesias do concreto regidas nos raios do rei Sol. O investigador Ivan Matias ignorou a libidinosa luz se espalhando nos muros enquanto seguia concentrado por seu caminho. Disseram-no que a escrita às vezes advém desses momentos brancos e ocos. Surge sorrateira e vai aos poucos subindo passo por passo encaixando seus pesinhos nos tijolos que ainda estiverem lascados percorrendo nas falhas e juncos escapando iludida e guiada pelo seco sempre caminho de ir e vir das frases surgindo pelo labirinto da memória como Borges previra por entre a dele e outros antevêem por entre suas peles sem tanto trato árduo com a fina e seca arte de estruturar um texto contanto íntimos da grossa e jocosa arte de sentir um bocado. Lembra-se de uma citação de Valéry, a parte mais profunda do homem é sua pele. Deve ser isto. Um contraste de efeito numa curta sentença quase tão complexo como o contraste que ele mesmo investiga. Que diabos tem de haver entre poesia e morte? Nesse caso, deve o lúdico trabalho do criar ir inspirando-o ao ser lapidado e vai ascendendo sua pérfida perversidade atrelando em seu plano como o lagarto faz num muro cinza chapiscado com umas plantas de mamona ao fundo em dia de Sol forte, deve o esforço excitá-lo enquanto sobe pela parede cinzenta do molusco cérebro de um retardado indo parar no extremo cume do muro que divide tal consciência, e ela olhando lá de cima com seus olhinhos arregalados de curiosidade, um passo à frente a realidade, um atrás o sonho, pára-se prun piquenique no mirante do meio termo, em férias daquilo que se entende por mundo concretamente estabelecido em ordem com Deus, tecido nas regras da sociedade e, avesso dela, escolhe-se matar. É a caminhada ao oco dos loucos que se comprazem na morte alheia. O investigador Ivan da metrópole esboça um sorriso frio no balcão da padaria enquanto provavelmente pensa sobre isso daqui descrito. Ele espera seu pingado que será servido num copo americano já usado por um ignóbil ébrio que bebeu conhaque na noite anterior. Sabe que a bebida virá com aquela nata flutuando pela superfície (as nuvens sobre o céu do espesso liquido de café com leite), espera também seu pão com margarina chapeado e quente, um tanto queimado na borda e com casca facilmente esfarelando sendo o filãozinho adormecido. Deve ter dormido mais que ele próprio dormiu no quarto embolorado da pensão. A brasa do cigarro na boca despenca e se espalha sobre as frases riscadas há pouco. girl from the north country na voz híbrida de Dylan já parou de soar no falante do seu gravador portátil. Começa então reestruturar os argumentos nas evidências do caso.
Sinceramente, Linda Júlia não é mesmo o local para esse tipo de crime. A vila parece que foi preparada e exposta ali sobre a colina onde crescem somente árvores de folhas amarelas pardas pelas mãos de algum artesão aguardando por algum forasteiro que roube tua soturna ingenuidade e a leve dentro de uma sacola de plástico com listas azul e vermelha. Situa-se bem no centro da bela cidadezinha, no cume da colina amarelo fosca, substituindo o local onde outrora houve, segundo os mais antigos dentre os moradores que guardam tais lembranças, pro constrangimento e vergonha destes, o casarão do Senhor Nala Ope. Com o consenso e sob julgo do inescrupuloso Nala foram elaboradas inúmeras reuniões pra discutir assuntos assombrosos, e claro, todos escritos feitos pelos estranhos taciturnos adeptos da seita, se diziam em exílio consentido do mundo, foram queimados ou atirados no riacho do qual ainda irá falar-se. Diz-se até ter sido proposto por seu mentor o absurdo de levar a cabo construírem a primeira biblioteca pública de Linda Júlia, bom, para o bem da paz esse lugar não mais existe e como se vê é lá que fica agora uma singela e inofensiva capela com um anjo sem uma das asas no cume, e ele, nas costas.
As casas de Linda Júlia se pudessem as ver de cima e tomada a devida distancia do apreço são como um afresco mantendo similaridade em tons e geometria e descem circundando o anjo aleijado até próximas à mata ciliar do riacho que é um traço estratégico emoldurando a obra. É realmente de intrigar. Há uma quebra aqui na trama de mortes do assassino conhecido como “versos de sangue”. Os fatos novos realmente afligem o jovem investigador Ivan Matias ainda esperando seu desjejum matinal. A resposta dele a si mesmo, de momento, é que o autor dos crimes tendo adquirido fama com a recente publicação dos seus sonetos fúnebres teve de escolher uma cidade menos visada para agir. A atitude desse inescrupuloso editor tira-o do sério. Um oportunista de péssimo caráter no seu parecer jurídico e literário que teve acesso aos poemas espalhados no quarto sobre o corpo ainda lânguido da última vítima. Matar sempre foi de fácil acesso. Até mesmo um idiota mata. Mas aqui não se trata de um banal. Ivan o concebe como um calculista romântico que vem se excedendo em sua idiota convicção de beleza e poesia. O pão chega sobre a mesa e por incrível no leite não há nata nenhuma. Por quê, pensa dr. Ivan Matias, esses seus versos escritos agora não seduziriam uma ingênua qualquer? Falam de coisas sem muito sentido, ainda não lhe parecendo de todo ruins. Deixaria-se uma coitada ser seduzida neles até seu leito de morte e prazer? Acredita que na parte do garfield não, mas quem sabe na do beijo na pinta? Toda belle femme tem sua pinta secreta. Mas as mulheres deste não são assim tão belas. Ta aí um outro fato peculiar do individuo. Ele não se restringe no deleite da beleza formada pelo padrão geral. A beleza das passarelas e dos cosméticos. Deve o matador paulatinamente estruturar uma teia que faça sentido no seu maluco paladar mental e libidinoso reconstruindo um sentido sensual na presença frágil entretanto percuciente nos olhos insossos de suas vítimas. Seu andar lívido contrasta com tanta preguiça acumulada nos ossos e banhas. Um ser peculiar.
Estranho seria se questionássemos o livro antes da hora. Falou-se já do assassino poeta, traduziu-se um pouco de Linda Júlia em versos de poesia e também em descrições menos líricas e ao pé de letras concretas, mostrou-se uma névoa da personalidade austera e um tanto arrogante de Ivan, falou-se do anjo sem uma das assas na lápide do que foi o casarão amaldiçoado pelo povo local, mas disso não valeria se não se despende agora um pouco de letras para mostrar onde estariam as duas assas do anjo da capela se desse símbolo faz mesmo pensar o suntuoso antagonismo do belo. Caso representem mesmo a ingênua aureola da beleza, elas estariam sobre as costas de Talássia. Descabida e cheia de despretensão a magia que guardam esses corpos não deve ser tocada nem por uma narrativa e somente será aqui descrita pela benção que dá aos textos tecer em letras a meiga aparência de certa criaturinha. E também, já ia me esquecendo, não é somente as falhas do crime que mantém nosso formado investigador atrelado nos arredores, escondido pelos becos vivos ao dia e lúgubres assim que anoitece, em Linda Júlia. Até mesmo no inferno, e acredito que lá seja o lugar mais propício para morar deliciosa beldade, pode-se se apaixonar. O anjo sem assas alguma de Linda Júlia, tão esquiva, menina e desleixada mostrou sem intenção de ferir seu sorriso e o escopo foi em cheio o coração seguro e estudado de Ivan.
Como citar Talássia sem me fazer roubando das doces palavras dos clássicos? Em primeiro, sem que ela perceba, ela é indolente. Foi criada pra sê-lo. Sem ser um mínimo irritante, quando não lhe invadem o mundo dentro de sua cabecinha, dentro dos descabidos pensamentos fantasiosos, seus traços idiossincráticos resplandecem em seu rosto quando passa e revelam seu espírito inocente, meus caros, ela é de extrema gentileza e educação ao tratar. Ela não fala, ela canta. Parece trazer no sangue o antagonismo do clima local. De dia é duma jovialidade vivaz e vai se transformando com o cair da noite em um ser que pende à melancolia dando vontade de colher nos braços ou guardar no bolso para protegê-la. Tem como virtude a beleza e o coração ignorante. Cobrindo-se em seu vestuário elegante, ditos incorretos em épocas arcaicas, é uma mescla de travessa e mulher. Quando a cabeça pende e balança seu pescoço macio e tentador é possível notar algumas sardas por sobre os seios que são uns respingos impressionistas com toques ruivos refletindo no verão daquele corpo. Sua cintura é um oásis de preguiça desacelerando a descida dos olhares para as belas e libidinosas coxas que separam a púbis indolente e rósea ainda suave pela inexperiência. Diga-me agora quem roubou tua assa anjo da capela? E eu digo que ela nunca lhe pertenceu. O arcabouço se forma na armadilha que é seu esplendor de sorriso escondido por uma boca grande e sã. Assim pode se dizer uma medíocre visão que não condiz com a pureza destruidora de Talássia.
Não era a última visão que gostaria de deixar neste conto essa que há de advir desse parágrafo. O certo é que os fatos assim ocorreram e não cabe a mim alterá-los para poupar a ti a mesma dor que agora sente o sábio investigador Ivan. Nenhum conhecimento do mundo priva-nos de nos fazermos iguais ao menor dos ignorantes quando sentimo-nos traindo nossa tolerância na fé abandonando-nos na incontrolável correnteza da dor. Houve uma outra morte em Linda Júlia. Os versos eram de extrema mediocridade e novamente estavam espalhados por sobre a cena fúnebre. Ivan Matias soube da morte enquanto lia alguma notícia no caderno de economia do jornal da cidade grande. Não prestava muita atenção pois pensava no lindo corpo e rosto de sua desejada Talássia. E foi ela que ele viu, e é meu último relato disto, foi ela que ele viu ao entrar na capela central.
Talássia estava quase totalmente nua. Tinha apenas uma das meias e o elástico dessa ia morrer apertando no meio de sua coxa direita. No pulso sobre o pálido mamilo de um de seus seios carregava uma pulseira nas cores vivas que costumava usar. De pernas e o outro braço todos estendidos sobre o altar contemplava-se por último momento seu corpo cor de mel ainda com o ar quente de sua graça e na beleza branca de sua cor uma negativa imagem de um biquíni ornando e apresentando os claros botões dos seios e do delgado quadril. A alaranjada claridade que passava pelo vitral iluminava sua penugem loira e púbica. Era assim que ela estava estendida e morta por baixo da cruz e da imagem de Cristo naquele altar. Restou para Ivan, ao ler um dos sonetos tirado do colo de sua amada, a certeza que os versos do criminoso eram de fato horríveis e que ele havia realmente mudado seu meticuloso gosto e modo de agir. Restou-lhe também o desejo de nunca ter pisado seus pés na traiçoeira Linda Júlia.
Os termômetros agora mediam vinte e um graus e meio e a cidade perdia a essência primordial do aroma de seus ares. Três novas crianças nasciam no hospital local. Duas meninas e um menino de dois quilos e quarenta gramas. As meninas, por mais peso que tivessem, nunca seriam lindas como foi Talássia. Nos arredores da vila diz-se até que o riacho secou por um instante revelando alguns dos estudos proibidos de Nala Ope, os mesmos que foram nele atirados sem passar pelo fogo furioso dos fracos. Os pássaros cantaram menos e as árvores da colina foram pouco a pouco perdendo seu tom amarelado. E sem espanto algum dos justos foi que um vento forte arrancou a outra assa do anjo da capela indo cair-se e espalhar-se em quarenta e seis pedaços grandes e setenta e sete miúdos por sobre a escadaria da pequena igreja. Assim se foi dito da magia mítica de Linda Júlia naquele triste dia.


O ASSASSINO DE LINDA JÚLIA
por ACANTIZA.




B. E NADA MAIS



pros amigos, o frio, bem ao longe, à beatriz.




“Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta (...)”
Júlio Cortázar.




Numa noite erma e fria, você me disse ela viria, e agora nunca mais. Quem é ela que sempre essas palavras repete? Quem é essa que não se cala ao bater nos corredores lúgubres e empoeirados da minha consciência soprando aquilo que serei. Ainda tens uma parte de mim? Chamar-se-á beatriz e nada mais.
- Quem bate lá fora?, meu amor.
- Nessa hora, só podia ser ele.
- Gregor?
Ela confirma, ainda apoiada no batente da porta e segurando uma taça de água gelada.
- Volte deitar-se que ele logo se vai.
O frio respira o aquarelado da escuridão. Três toques batem secos mais uma vez.
- Sabe o que menos me agrada depois de haver me acostumado com o jeito dele? Ele pisar sobre o carpete da entrada que meus pais me deram.
- Aquiete-se que ele se vai.
- É fácil pra ti, um acomodado, mas pra mim, isso é novo. Não costumava ter um homem inseto tocando a campainha desse apartamento na madrugada. Entendo que eu deva ser tolerante com as diferenças, mas isso já tem sido demais. E qual é sua tolerância? A gente prepara um super jantar no maior romance, eu fico completamente caída com teu jeito de lidar com as batatas e, posta a mesa, vejo-me desprezada enquanto você está sonhando com a textura que a comida tem no seu prato... tem sido bom ser um pouco menos real, mas isso já é exagero..
- Baudelaire e Drummond também se divertiam com suas sopas e nem por isso deixavam de respeitar suas esposas. Minha atenção em ti é total, de tanto que você nem perceba pela naturalidade que já se tornou.
-hum...hum... meu doce sonhador. Será que ele já se foi embora?
- Abrace-me que ele se vai...

Meu amor
Quero te contar o sonho que tive.
Hum.. depois.. é tarde.. hum.. amo você também.. quem é Kafka? amanhã temos trabalho..
Segue para a cozinha leva algumas folhas leves papel sobre a mesa escreve mais que dedilha enquanto vai dedilhando algumas melodias violão sobre o banquinho de madeira. Ela aparece só de calcinha.
Nunca soube que você compunha.
Nunca soube te dizer. Um segundo, peça licença aos anjos maus antes de você entrar. Eles estão mortos de inveja pelo corpo lindo que tens. Ela senta-se ao lado dele.
Vou contar um pouco do meu dia.. vou contar um momento dele de trás pra frente, certo? Sentei-me sobre uma sombra linda comendo cachorro-quente lambuzando toda minhas mãos fiquei vendo os carros passarem as pessoas correrem com suas pastas pretas arqueei meu pescoço e a luminosidade ofuscou minha vista alguns minutos antes eu soube que estou grávida.
Você tem certeza?
Toda.
E as pílulas?
In God We Trust... já nas pills ... Tá na nota de hum dólar. Só a primeira frase.
Eu entendi, meu amor. Só que não me deu vontade de rir. O que você fez depois?
Bom, vim aqui pra casa comi alguma coisa dormi um pouco tive um sonho lindo com um monte de gente que não vejo há muito tempo meus pais também e alguém com uma expressão de muita paz aparece e me diz: ele é o único homem com quem você vai ser feliz tendo um filho.. e você está de mãos dadas comigo, como agora.
Você está linda. Vamos fazer assim: deitamos de novo sem sonhar nada desta vez..
E seu poema sobre a mesa
Já tinha acabado quando você entrou. Ele não vai sair correndo pela porta afora...

Ele adora essa primeira hora do dia em que vê seu rosto no espelho, ainda amassado pelo sono. Nunca se reconheceu muito no próprio reflexo. Deixa que a água escorra por toda sua nuca e não se importa que seus cabelos se espalhem pela cerâmica da pia. É o batismo que nunca teve. Começa achar que vem dormindo muitos dias num mesmo apartamento. Sinal que está na hora de arrumar algum compromisso novo. Ou simplesmente sumir sendo que nenhuma das anteriores pareceu incomodada com isso. Em real, elas até podem passar algum momento de chateação, chateação que ele próprio sente porque não é tão simples quanto se pensa ser, principalmente porque um bom grado depende sempre de uma abertura mínima de intimidade o que leva num certo estresse no “tiau” e num possível “oi” futuro. Deveria vir na bula de qualquer relacionamento. Fazer carreira depende de tempo e atenção total das partes envolvidas neste principio. Fazer carreira não combina nun contigo. Praticidade é dinheiro e o amor não é prático. Ao menos poderia. A viagem marcada com os gerentes no próximo mês é providencial para distanciarem-se e pode acontecer até uma auditoria por alguns meses naquela terra de ninguém. A água que agora lhe escorre por entre os fios grossos dos seus cabelos negros é o batismo que nunca teve. Aquele líquido que escorre e nada mais. É ainda dentro desse jorro divino e sereno de veio d’água por sobre seu crânio e lá de baixo que ele escuta:
- Querido... preciso te dizer algo meio sério.
Ele não quer sair lá d’baixo. Sabe que não deve voltar mais de lá. O melhor é mergulhar-se e escorrer pelo cano chegando num oceano paradisíaco. Aquela água escorrendo é o batismo que nunca teve...
- E eu vou ter que ser direta...
Ele sabe que não pode levantar sua cabeça daquele último oásis.
- Eu estou..
E ele levanta e ao ver-se no espelho não é mais seu rosto.



(Gregor Samsa Gregor Samsa Gregor Samsa Gregor Samsa Greg.....)




O SUPOSTO POEMA SOBRE A MESA
QUE ESTRANHAMENTE NÃO CORREU PELA PORTA AFORA:





todos os lados da pedra
posso esculpir pra’q talvez de um deles você goste
todos os lados da pedra
sempre vão estar ali sem que menos você
esteja seja exista
(não se trata de adaptação nem pretensão em ser notado
por mim
Freud e Darwin que se beijem)

não é parte de ti eu não me explicar
há parte em mim em sê-los
pra’si fazer um sóbrio vive-se na margem
à margem da próxima linha
não é parte de ti querer um ser
quando sempre soube sair

silêncio

não é indiferença eu não tocar
quanto se o fizer
de tanto que sinto
espalho-me no mundo
e não existe mais um mínimo nítido
de nós

á mim não me importa um mínimo de eu
a ser que lhe importe a ti

silêncio

é só nele que sou.
e quando estiver quieto
se acaso disseres
“eu sempre soube”
eu
meu amor
tenho um par



Chamar-se-á beatriz e nada mais.





Páscoa. 16 de abril, 2006.
domingo.

TRAGÉDIA CONTEMPORÂNIA
por Augusto Cavalcanti.






O autor dessas linhas considera indigesta a narrativa que segue e se responsabiliza pelo constrangimento que delas possa surgir. O autor dessas linhas considera isso um conto de amor. O autor dessas linhas não tinha a menor noção do que podia passar em sua cabeça quando pensava em amor antes de ver naqueles olhos verdes e nublados. Considera também isso tudo um desabafo do desespero sendo que nem mesmo intimidade com as palavras deseja ter. Arrisco-me em desenhar quadrinhos e sou músico. E foi desenhando que a vi sobre a sombra de uma árvore e desejo agora que nunca tivesse a visto. Foi com um caderno de desenho e um lápis de carvão nas mãos que me senti na liberdade de desenhá-la. Estou preso nesse feito. Não zombe do drama sem antes tê-lo encarado por inteiro. Eu me aproximei e quando ela me viu se aproximar foi virando logo seu rosto sem mesmo eu pude ver pela primeira vez, entre as mechas de seus cabelos, vi de relance seus olhos. Peço de novo que não zombe vai ser suave quando chegar ao fim e tornar e ler. E eu me sentei ao seu lado, ela ainda olhando pro outro lado e então tive uma idéia e realmente agradeci por ser um projeto de artista e o quanto a arte parece nos tornar mais humano. Eu deixei aberto o esboço de desenho que havia feito dela sentada sob a sombra daquela espécie de pinheiro. Deixei no lugar que eu estava sentado e pulei pra outra depressão desses bancos ondulados de praça. Depois de algum tempo, e acho que foi bastante, ela tornou seu rosto pro nosso lado e acabou o vendo, seu retrato, e esse foi o melhor desse momento. Ela sorriu. E, pela última vez, esse sorriso vai valer mais que tua zombaria acerca ao humilde e apaixonado relato que faço. E ela sorriu. Ela pegou o desenho em seu colo e eu tomei a liberdade novamente de me aproximar. Eu penso agora e é melhor que eu pense que está não é verdadeiramente uma tragédia, estou pedindo, clamando por deus que diferente das tragédias ela, a moça do rosto lindo em sua complexidade obscura de dor, transforme seu destino sem ser dominada nele. Isso é uma história de amor. O amor incondicional que deverás sinto. O amor que me faz odiar toda a humanidade e a sociedade em que nasci. Nunca ninguém foi tão capaz de tentar abrir esse teatro do absurdo que é nossa intimidade em determinadas minúcias como você o foi. De tanto que nunca ninguém respeitou e gostou tanto de mim. E agora eu estou preso e a cada instante que olho pro teu desenho é um tijolo mais nesse muro. Essa narrativa é um desrespeito a ti porque não pedi permissão em fazê-la. Espero que perdoe o meu desespero e o estilo que resolvi botá-lo pra fora. Essa narrativa é pela depuração que causaste em minha alma. Peço que me desculpem a quem ler o ódio que tive dos homens sem nem mesmo ter descrito personalidades de um crápula. Eu disse não ser autor formado e então descrevi personalidades do que eu considero como gente, daquilo que eu entendo como humano. E peço que um dia eu possa me perdoar de todas às vezes que uma cena de violência mostrada em um filme de tv me excitou e pelas idéias de cunho perverso que tenham passado por meus pensamentos sem que tivesse oportunidade de pô-las a prova. Essa narrativa é do amor incondicional que me faz sinceramente acreditar que todos nós merecemos um recomeço. Essa narrativa clama pelo teu recomeço melodia dos olhos verdes nublados. E agradeço que vocês tenham a capacidade de compreender à que se tratou o que ela me disse sem que eu seja óbvio o suficiente para deturpar uma história. Não sou autor, mas também não sou medíocre de não tentar um mínimo de ironia quando na realidade meu desejo era depravar, escancarar com palavras diretas e sem poesia o lixo desse mundo. Faço-me por apresentado.






- Está tudo bem... fica só mais um pouco aqui...
Ela sente o peso da cabeça dele entre seus seios. Pode jurar que pesa uns cinqüenta quilos. Os dedos dela afagam por entre o cabelo macio dele, como o vento faz em um campo de trigo, percorrendo as idéias que por ali se escondem. Ele senta-se e pincela com seu olhar fugidio uma tela que não tem fundo e nem forma, a pintura que o constrangimento projeta em nossos olhos. O calor da mão dela ao acariciar a virilha dele, nem mesmo o beijo que sente agora em seu rosto, transformariam o quinto módulo de um jazz frio. Ele fala delineando os primeiros traços no quadro ainda abstrato.
- Tem uma idéia me perturbando desde manhã.. li no escritório nos intervalos que a merda do telefone parava de tocar, eu tava lendo na internet uns relatos de umas garotas.. ... continuei vendo aquilo e me fazia sentido.. uma maturidade que eu nunca havia visto existir. Uma garota falava que com quinze anos de idade havia sido estuprada por um amigo mais velho e dizia que agora, mesmo sentindo tesão nos caras não conseguia trepar e de como ela era fria e volúvel e o quão horrível foram suas duas outras relações sexuais... ... ... ... a resposta da colunista foi de uma clareza, direcionada tão bem a essa menina que eu fiquei de certa forma emocionado.. ela dizia que isso deve ter sido muito barra de agüentar sozinha, e que nós pensamos que estupro é uma violência que não vai rolar de alguém próximo de nós e que ela era uma garota normal, não havia motivo algum de se sentir baixa que devia superar ... uhf ... e o que dizia mesmo a outra? na verdade foi um cara que estava com uma namorada na mesma situação, que disse que ela havia sido estuprada sem querer comentar a situação.. e também me pareceu de uma verdade o esforço dele em compreender e superar isso tudo junto dela porque isso de certa forma não tava só impedindo deles transar.. mas impedia deles ficarem juntos... e nem sei porquê to falando esse monte de merda, você não quer ouvir isso tudo, né?
- Pode dizer.
- Isso tudo me pareceu tão atual, tão parte desse tempo... eu tava muito comovido e saí da empresa com esse peso estranho no estomago e tentei criar um quadrinho como nas vilas frias mas cheias de vida de Will Eisner ou V de Vingança que acabou com o estilo de Moore adaptado pro cinema... de certa forma é isso que eu vim fazer nessa rave.. eu vim procurar o rosto da minha protagonista.. seu olhar frio e desolado e ao mesmo tempo rico e conflituoso.. sua beleza perturbadora... mas não adiantou de nada porque eu não tenho esse talento.. e agora tem você nisso tudo... que é melhor que essa bosta toda mas meu corpo não percebe. Sabe pra quem eu desenhei isso? pra quem é o quadrinho? É para mim se eu fosse uma mina. Eu tenho certeza que eu seria estuprada.. teria deixado que o fizessem.
O som agudo atravessa a melodia do blues. O violino soa não muito distante deles. Está transando com um rapaz. A moça está sentada sobre uma espécie de cerca que faz a divisa da chácara. Ela entrelaça suas pernas em torno do quadril do moço que tem sua bermuda caída até a altura das nádegas. Madalena brinca ser fingimento convidando Lucas para presenciar um falso orgasmo. Noutro canto um casal está se embaraçando enquanto parecem tentar transar ou vestir um preservativo, a falta de luz não permite ao certo entender. A verdade é que Madalena tenta descontrair o momento enquanto alinha seus pensamentos para agir. No filme Closer o personagem que ela mais gostou foi o do médico. Ela pensa que o conflito daqueles casais se resolveria com uma boa dose de “ser adulto”, que é o caminho mais chato e depressivo. O caminho mais rápido é o enredo do filme. Madalena conversou algumas frases com Lucas e sentiu atração pela boca dele. Depois deitou sua cabeça no colo dele como se estivesse com sono. Sentiu que Lucas ficou excitado e depois de algumas carícias, beijos e gemidos no ouvido sentiu-se no clima de seguir pra um lugar mais afastado, estender a canga que carregava na bolsa e transar. Era isso até ele ter brochado.
Agora ela está com medo de ter corrompido um menor de idade, porque ele pode ter mentido seus vinte e dois anos enquanto ela foi sincera ao dizer seus trinta e três, mesmo tendo reconhecido o gosto de homem já formado, a experiência do homem, não só no olho, na conversa, como no jeito como a tocava e beijava. Ainda se mantém calada. Madalena vê gente morrer toda semana. Ela aprendeu que coração é somente uma bomba que distribui sangue por todo o corpo e que quando pára, um paciente morre na mesa da sala de cirurgia. Não sabe agora se está ao lado de um pervertido ou de um garoto hiper sensível. Ela sabe que é alguém com vivência, parece demonstrar preocupação com os outros. Boa parte dos pacientes que agoniza sobre uma cama em estado terminal de câncer não demonstra se são suas entranhas que doem ou o remorso dos seus feitos em vida. O rancor de um estupro, de um roubo, de um assassinato. Ela não sabe se ali morre um homem de caráter ou alguém desonesto e inescrupuloso. Têm aqueles que clamam por perdão enquanto morrem. Sozinhos, somente com o consolo da morte. Mas Madalena não estagna nesses pensamentos, porque sabe que outros virão e ela tem que tentar curá-los independente desse drama todo. E ela não tem essa esperança toda de mudar o mundo porque sabe que tem gente ali que deve muito sem nem mesmo derramar uma lágrima. Além do que, os mais inescrupulosos de caráter, na cama e nas atitudes que ela teve oportunidade de conhecer são alguns dos seus companheiros com o bisturi na mão reconstruindo órgãos dilacerados ou ajudando alguém nascer. A vida é essa e não muda. Madalena só queria um orgasmo. O que ela sabe é que ela não é essa personagem que Lucas veio buscar e que não se sente à vontade em magoá-lo. Ela começa por aí.
- Talvez você tenha vindo ao lugar certo encontrar seu rosto, talvez seu rosto esteja dentro de uma casa bonita da burguesia nesse mesmo instante, porque a maior parte dos pais de hoje casaram-se no mais belo estilo moralista, homem canalha mulher virgem, e incluo os meus nisso, talvez eles não souberam instruir suas crias para terem um início de vida sexual com mais responsabilidade num tempo mais livre. O meu começo com o sexo não foi complicado como nas histórias que você leu. Não pareço ter o olhar que você quer, pareço?... eu lhe disse que era mais velha.. você não é menor?... uhf... entaun, não entendi ainda qual é a sua, assim, se você realmente é um cara que observa as coisas e fica divagando no que vai acontecendo, se você está aqui procurando uma garota para se aproveitar e... é, não me pareceu. Você é um cara legal sim. E tem tudo perfeito também porque eu senti seu tesão, tem uma bela boca, beija de um jeito ótimo minhas costas e minha nuca, tem braços, tem um pau, e tem muito pensamento ai dentro, mas não deve se preocupar. Acho que você não deve se preocupar nem com essa zorra toda que acontece ai em baixo ou ao nosso lado, porque todos eles não pensam com o sentimento que você aparenta ter, veja só, eles estão se divertindo, descobrindo seus corpos, seus sentidos, até mesmo o comprimido, as drogas que consomem, um dia passa porque nosso corpo tem um metabolismo e depois que uma substância se excede dentro dele, aumentar isso é só causar dano e não prazer... e eu também acho que eles vão se ver depois de mais velhos, se cumprimentar em uma mesa de jantar com seus respectivos cônjuges, cada um levando um prato de comida e a lembrança de que já se traçaram todos, sem constrangimento algum e com muito mais vivência para educar seus filhos. Você nunca tinha pensado nisso desse jeito, tinha?... por mais que eu queira impedir que as pessoas morram, elas vão continuar morrendo.. por mais que você queira que elas não sofram de acordo com o que você entende como sofrimento elas irão continuar doendo... e você sabe por quê? porque nós somos crianças brincando num parque. Não sabemos muito como entramos e onde está a saída. Onde os brinquedos não existem para causar prazer somente. Quem vende seu ticket é deus, quem o tira de lá, melhor ou pior, é você mesmo... ...
-... ... às vezes eu quero ir pra uma guerra? Ver o quanto se agüenta matando e morrendo...
- Uma guerra como a invasão no Iraque ou a que se pretende no Irã ou naquela ... na disfarçada onde milhares menos vistos morrem de fome ou explodem dentro de seus lares?
- Tanto faz, mas tudo que eu entendo disso são os dez primeiros minutos de apocalypse now! e os dez minutos finais de Nascido para Matar.
- E eu ouvindo Blowin`in the wind… vê como nossas vivências são diferentes e levam ao mesmo caminho... .. ... Agora me dê a sua mão que eu quero ir embora...
- Será que a gente ainda pode se ver?..
- Você quer me ver?
- É claro.
- Bom esse é o cartão do meu consultório.. tem até uma página virtual e tudo.. você tem esses blogs e fotologs, deve saber mais que eu...?
- Na verdade, não tenho... eu não estou à venda em uma prateleira e nem quero fazer fetichismo da minha imagem....
- Ou você tem medo do que eu possa falar lá amanhã?
- uhf... ia ser realmente muito chato.. mas eu tenho sorte das mulheres que encontro, não tenho?
- Sim, se você me deixar te usar.
- Veja só que pervertida...



Isso é uma história triste. Esse humor aparente é idiotice de momento.
“.. Trocando em miúdos, pode guardar / As sombras de tudo que chamam lar / As sombras de tudo que fomos nós ...”. Você é a mulher mais normal e bela que eu já conheci. A única que me faria correr o risco de compor como Chico Buarque. E eu só tenho seu desenho sobre a mesa e o medo que você não mais exista. Aquele banco frio sob uma árvore não é o mesmo sem seu traço. Eu quero sentar-me lá do teu lado.
Por favor, recomece.
É como Jesus mostrou...



PORRA DE VÍRUS

O pai entra no quarto da filha adolescente, mais nova,
ela está se arrumando para sair.
Ele fala meio sério:
- Sua mãe comentou de um rapaz...
- a pá ele é um doce, meigo, carinhoso
- fico feliz ( ) e onde vocês se conheceram?
- nem acredito, foi muita sorte minha, minha cara metade ( ) Achei pelo computador.
- pelo computador? (diz ele descontraído e ainda sério). E a família? seus amigos?
- a papa não seja retrógrado isso é tão comum, mas nem sempre é um lindinho
retrógrado foi ele quem disse, tão inteligente ai ai... a última frase dele, o senhor quer ler?
A menina segue até a tela do micro e o senhor continua:
- eu não sou retrógrado, mas como você vai saber... e se for algum vírus dessa máquina, alguém pode se apaixonar por um vírus e aí você vai ficar deprimida pelos cantos, e eu vou chamar o quê? um técnico. Não dá, né?
- olha aqui, lê.

O senhor lê:
pergunta da filha:
e com que roupa eu vou à festa? como suas amigas são?
resposta do garoto:
vai como quiser, você vai estar melhor que todas elas de qualquer modo, mas não seja retrograda, ein!
o pai resmunga ainda sério:
- hum...
- não é lindo?
- para mim é um convite para você ir seminua.

Daí seu pai vê umas das fotos e, ao lado, o nome da comunidade:
“Só traço de quatro”
e ele pira:
- que absurdo é esse? é um porra de um pervertido
- calma pá,...
ela vai descendo a tela,
... é um trocadilho, é uma comunidade de desenhistas que só fazem traços com quatro retas e são bonitos, os desenhos...
- tudo porras de pervertidos, é o que eles são!
- não, não more mio, uhn (dá um beijinho no rosto dele) são bons meninos
- porra de vírus, isso é que é trocadilho...

ele nem termina e a filha já está saindo de sua protegida casa.



PROVÉRBIO DO LSD QUE SERVE COMO CANTADA
Vou rezar um tercinho para arrumar um meio de dividir um quartinho com você.
ou em versão analógica,
Vou rezar 1/3 para arrumar ½ de dividir ¼ com você.





NOTAS BREVES DO FANTASMA DE AL-MU’TASIM










O Poeta e crítico literário angolano Neddin Guime, que teve recente edição de poemas reunidos no livro From shadows behind skin intitulado maravilhosamente pela editora por Das trevas detrás das Peles, tradução de Menard Cannebière, descreve, muito autêntico, o escritor em ofício: “um corpo sem malícia pr’atuar nun denso personagem”. Como o autor não interpreta, há sempre o vazio. Na idéia de Guime, o escritor enquanto cria encerra em seu corpo a co-ocorrência de dois pólos de uma oposição. Seu discurso lógico argumenta que o mesmo processo de elementos contrários que coexiste na linguagem poética, também co-existiria no corpo dos homens vivendo em sociedade. Aceitando a palavra poética num ato sem passado imediato que reduz o discurso lingüístico ao ESTADO ZERO, destarte esse seria o perfil do homem atual naquilo que ele chama de A HUMANIDADE ZERO. Assim, conclui seu ensaio crítico em analogia com um vértice literário de Roland Barthes.
A simbologia de Guime, tão complexa quanto bela, se renova para além no meticuloso trabalho do artista plástico Tsay lan. Aponta-se o solo da China atual, Tsay é de nacionalidade chinesa, tendo ainda nítido na memória a antiga economia agrícola e extraindo no choque brutal, o mercado que se abre para conduzir a nova e afluente classe média deste país ao crédito parcelado, ideal ao nascer de tão bela metáfora registrada nas tensões da arte.
Já espanta criativa expressão unindo lado a lado aquarelas e óleos sobre letras, como se folheando as páginas de Parte do Cômico Dramático da Sociedade Atual, tenho-a à vista sobre a mesa e autografada na contra-capa, fosse vagar pelos corredores numa vernissage musicada, mas Tsay transcende. Une na mesma obra homem e sociedade, natureza inseparável partilhando da mesma inescrutável e abstrata beleza.
Num dos desenhos mais impressionantes, observo atônito a frase que intitula toda a obra, naquilo que seria um contra-senso, fazer analogia com um dos mais influentes e brilhantes autores do Ocidente. Ambigüidade irreal. Contra arte não se constrói muros, como quis Alice di Carroll.

Parte do cômico dramático Da sociedade atual
A sociedade em artistas anônimos/ pré-estréia LIVRE /
como sugeriu um dos palhaços de Cal Purni
Isso
que fique bem claro
Se os mesmos existissem.

Dividindo o desenho é estupendo.
E Como existir diante da instalação?

O eu esfacelado içou sua gôndola
desfazendo na fala da high Saussure
diluiu, beijou no mármore das torres iluminadas
palcos aos berros de poetas pra trás
jejuando ao puro quarteto de cordas
atores, gin Tonica e soda e
ancorou nas docas desalinhadas da classe média
Imagine, dr. Charcot, sobre a cômoda o carnê que logo vence, na telenovela fala-se sobre sessão de hipnose regressiva.

Depois de alvejado, balas crivadas por toda alma, o baque que provoca essa tempestade de símbolos e críticas pausadamente diferidas por exímio artista, sobra ao ser humano comum que é expulso de sua cela assegurada pelo capitalismo, compreender sem aflição que as máquinas do futuro serão operadas por zumbis fantasmas, quase os mesmos das filas de operários, iluminados pelo farol néon importado, nos muros de ontem.

Nada deles existe. Patrões e operários dividem o mesmo palco. Personagens por risos perdidos. A individualidade tenta persistir enquanto percebe lenta que já era. O autor se despede tendo certeza única que nunca existiu.

Em um breve relato possível, uma nota bibliográfica do moderno retorno ao atual pós-vazio...


No canto ainda turvo da sala, nesta espécie de hora noturna que o silêncio insiste em flertar com a escuridão, as órbitas inconvenientes começaram iluminando a moça entre os veios das grossas cortinas, calada. Devagar, lenta, perderam, ela e o texto científico, a segurança estática. A clareza virou opacidade estreita e sombria nos seus olhos. A pequenina mão da moça, ainda em pé no mesmo local, vinha e voltava tocando suave nas mechas da cortina e a luz que transpassava ia desenhando mares por seu corpo enquanto o ruído cortou o silêncio. No escuro, pareceu falar ordenada pela sutileza daquele último toque. Reclinando o rosto que se esvaia pelas ruas vazias, os olhos delas se encontraram. A pequena caminhou suave até a mesinha rústica do computador. Vinha e voltava tocando-lhe no rosto delicado. Interrompendo a tese, a barra piscando na tela após a última letra escrita, foram pro quarto. Continuaram em silêncio até onde a luz era dura. Sentaram-se. O beijo estalou pelos cantos. As mãos calmamente iam e vinham, iam e vinham, iam e vinham e, as mesmas sentiram-se como um fiel farol que guia os navios perdidos em uma costa pedregosa. Amaram-se até quando a luz não mais guardava desenhos. Já era dia. Uma seguiu pra trabalhar. A outra voltou, primeiro digitando nuvens pelo vento e, após o dilúvio de sentidos, escreveu no micro a beleza que soube narrar.





Retrato de Al-Mu´tasim. (2006) tinta de caneta sobre celulose.





G.c. tem 24 anos foi formado em Artes e Comunicação pela UFSCar e publicou na revista Olhar da mesma. Poeta, escritor e roteirista. Pode ser visto apoiado em um dos hexágonos da biblioteca em dia de sorte. Noutros, supervisiona operários.






UMA COCA-COLA COM FRANK O’HARA

O amor podia ser charuto
O amor podia ser linha
Charuto também podia ser amor
Em parte porque veste camiseta laranja.
A ponta da língua batendo leve no céu: Ló...gi...ca

Fellini podia ser Spike Lee
Dali podia ser Picasso
Einstein, Maria.
O eu podia ser tantos ou a pessoa certa pra ficar debaixo d’árvore
A língua batendo no céu da boca: I...dé...ia

Egoísmo podia ser cadeia
O eu devia ser preso
Observando ele te contando
Sem sua camiseta laranja, hein!
São Sebastião.

Não desperdício é sentar-me com você perto de uma árvore
Abrir uma lata de coca-cola bem gelada e vermelha
Ver as primeiras luzes do sol impressionista baixando
O brilho no lago e na base sobre seu rosto de menina
A ponta da língua batendo sabe lá onde
E diz:
Como sua coxa é grossa: Gros...sa




Tiradentes. as primeiras luzes nítidas do inverno. 2006.
Corrompidas por Augusto Cavalcanti.

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